Sem
saber como ordenar ao meu corpo que se mexesse, permaneci durante
horas sentada no mesmo local. O telefone tocou várias vezes, a
campainha da porta também ressoou uma vez. Não fui capaz de me
mover. Aquilo que ali estava, mostrava um homem que eu não conhecia,
mostrava algo... perturbador.
Já
começava a escurecer quando Gabriel voltou para casa. Entrou, vinha
a sorrir, o mesmo sorriso de sempre, mas que agora me parecia tão
sinistro, quanto forjado. Pareceu não reparar na minha postura, e
disse-me apenas “boa noite”, seguindo para a casa de banho.
O
banho prolongou-se pelo que me pareceu uma eternidade e quando saiu
da casa de banho, fitou-me.
-
Andaste em arrumações? - perguntou lançando um olhar aos papéis
espalhados pelo chão. Não fui capaz de responder. - Fizeste alguma
coisa para comermos? Estou cheio de fome...
Consegui
finalmente, obrigar os meus olhos a moverem-se de forma a encontrarem
os seus. Um olhar vazio, sem... vida.
-
Mariana... Está tudo bem?
Sem
pensar, estiquei-lhe o caderno que ainda conservava na minha mão. O
seu rosto endureceu ligeiramente, mas nem se aproximou da reação de
pavor ou de fúria que seria adequada nesta situação. Limitou-se a
pegá-lo e poisá-lo sobre a cómoda.
-
Leste-o?
-
Li.
A
minha voz estava rouca e baixa, devido às várias horas de silêncio
e imobilidade.
-
Lamento. - referiu apenas. - Preferia que não descobrisses assim...
-
Preferias que descobrisse como?
-
Não sei.
Durante
alguns minutos ficámos imóveis, a olhar um para o outro. Não
conseguia pensar em nada adequado para dizer e ele parecia ter os
mesmos problemas que eu.
-
Eu não devia ter mexido. - referi, ao fim de um bocado.
-
Pois não.
-
Mas o que tens aí... tu..
-
Eu sei.
Comecei
a chorar.
-
Que espécie de monstro és tu?
-
Não sei.
O
seu rosto mantinha-se sério, inexpressivo. Não parecia incomodado,
não parecia envergonhado. Não parecia... nada.
-
Eu posso explicar. Se me deixares.
Queria
dizer que não, queria bater-lhe e gritar. Queria... não sentir a
repentina e quase mórbida curiosidade que me avassalou. Não havia
explicação possível.
-
Deixo.
CONTINUA...
(Imagem: poesiacarinho.blogspot.com)
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