Se
quando nos levantamos da cama, soubéssemos o que nos espera durante
o resto do dia, haveria com certeza várias manhãs nas quais nos
recusaríamos a sair de lá. Aquele foi sem dúvida um desses dias e
nada, mesmo nada, o fazia antever.
Levantei-me
como todos os dias às 6 horas e comecei a preparar o pequeno-almoço.
O Gabriel saía sempre bem cedo para o trabalho e eu gostava de
preparar-lhe alguns mimos logo pela manhã.
Naquele
dia, ele parecia especialmente bem disposto e conversámos um pouco
durante o pequeno almoço.
-
Já decidiste o que vais fazer hoje? - perguntou-me.
-
Primeiro, a minha aula matinal de Step e depois vou
provavelmente rodear mais alguns anúncios de jornal e enviar
candidaturas a empresas que nunca respondem de volta...
Senti
o desânimo invadir-me a voz. Já se havia passado um ano inteiro
desde que a empresa onde trabalhava fechara. Até agora, não tinha
conseguido arranjar qualquer emprego... O toque caloroso do meu
marido, fez-me sentir imediatamente melhor.
-
Não desanimes.
Um
beijo e um sorriso afastaram por completo as nuvens negras que já
estavam a formar-se na minha mente. Gabriel saiu para o trabalho e eu
puxei o degrau de Step
guardado debaixo da cama e fui para o escritório, onde coloquei uma
música agitada com o volume no máximo.
Após
40 minutos de treino abundante, tomei um banho relaxante com sais
perfumados e sentei-me à mesa da cozinha com os classificados à
frente. Precisava urgentemente de arranjar qualquer coisa para fazer,
não só pelos óbvios motivos financeiros, mas também, porque não
aguentava mais estar em casa, parada...
No
jornal, nada de novo... E antes que o desânimo me reduzisse a um
estado de inércia incontornável, resolvi levantar-me e arrumar a
confusão que deixara no escritório. Ao colocar o Step
debaixo da cama, ele embateu numa série de caixas, onde o Gabriel
guardava, segundo ele, coisas velhas. Fiquei a olhá-las, ele nunca
mostrara grande vontade de que eu as visse e eu nunca tivera grande
curiosidade acerca do assunto, eram papéis e fotos antigas, mas
naquele momento...
Empurrei
o aparelho de ginástica para o canto da cama e puxei a caixa maior.
De facto, no seu interior, estavam fotos antigas de quando o Gabriel
era criança, dos meus sogros, da casinha na aldeia... Estava deliciada
a olhar para aquilo, não podia acreditar que nunca tinha tido a
curiosidade de vê-las. Aos poucos, a caixa foi esvaziando e no fim,
estava um caderno de capa preta.
Olhei
e peguei nele, estava sujo. Abri e verifiquei que era um diário, mas
o mais estranho é que a primeira entrada, datava de há alguns meses
apenas. Nunca tinha visto o Gabriel mexer naquelas caixas e muito
menos escrever um diário. Folheei até à última página escrita e a
data era da semana anterior.
Voltei
a fechar o caderno e fiquei durante alguns minutos a fitá-lo de
forma idiota. Sabia que não o devia fazer, mas ele estava ali na
minha mão e a curiosidade venceu-me. Abri-o e comecei a ler.
À
medida que lia aquelas linhas escritas com fervor, um embrulho tomou
conta do meu estômago e a minha garganta apertou-se de tal forma,
que pensei que morreria sufocada. As lágrimas saltavam como cascatas
e senti uma agonia, uma revolta, uma dor tão grande, que jamais
poderia imaginar ser possível.
CONTINUA...
Comments
Post a Comment