As pessoas caminham, passam para trás e para a frente, indiferentes à beleza da cidade. Vão apressadas em direcção ao seu emprego e não param um segundo para absorver a brisa da manhã.
A pequena ondulação bate nas rochas ásperas produzindo sons ritmados e melancólicos, como uma canção de intervenção, como um grito de alerta que vem das entranhas da terra, o gigante adormecido que clama por protecção.
Até quando poderemos vislumbrar o brilho do sol nas águas? Sem que o negro grude derramado pelos navios que as cortam sem piedade o esconda?
Ao longe, os carros chiam, as suas rodas derrapam contra as pedras já gastas. Os sem abrigo chamam por uma ajuda que nunca chega, enquanto eu me foco nas águas acastanhadas, que vão e vêm de encontro ao pontão.
Do outro lado do rio, uma outra cidade nos sorri, um cristo nos recebe de braços abertos do topo do seu mundo e eu questiono-me: será o som dos carros, dos mendigos e dos trabalhadores a caminho do seu dia a dia o mesmo? Serão as mesmas pedras gastas, que recebem o cheiro de borracha queimada e o fumo dos escapes?
Um cão vadio aproxima-se da água, ele é negro como a noite e apesar do seu pêlo sujo e molhado, tem um certo brilho. É o brilho da inocência, o brilho de quem não tem consciência de que haverá um amanhã.
Mas... haverá mesmo?
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