Ainda
estava a tentar recompor-me do choque, quando um embate me sacudiu
violentamente, obrigando o meu cinto de segurança a espremer-me
contra o banco do carro. Receosa, olhei em frente e tinha batido num
belíssimo BMW preto e coberto de lama, parado na autoestrada. Uma
mulher furiosa saiu de dentro do carro e fitou-me com raiva.
-
Tem noção do que acabou de fazer?
Eu
estava incrédula a olhá-la.
-
A senhora tem o descaramento de parar no meio da autoestrada!
O
olhar da mulher para mim, fez-me olhar em volta e perceber que já
havia saído da via rápida há muito tempo. Como era possível? Não
me recordava de todo de ter feito aquele caminho...
Voltei
a focar-me nos olhos negros e enraivecidos da mulher à minha frente.
Devia ter por volta dos 50 anos e o peso um pouco acima do
recomendado. Trazia vestido um fato já muito coçado pelo tempo e
uns sapatos que precisavam desesperadamente de graxa. Sacudi a cabeça
de modo a clarear os pensamentos. Em seguida, saquei de uma
declaração amigável, não havia nada a fazer, eu era a culpada e
pronto.
Após
assinarmos e preenchermos todos os protocolos dirigi-me à empresa
com a certeza de que o meu dia estava fadado ao sofrimento. Como
pudera esquecer os meus óculos de sol da sorte?
Durante
a amanhã, tudo parecia correr mal e a minha dificuldade de
concentração valeu-me uma bela descomportura por parte do meu
chefe. À hora de almoço, já não aguentava mais...
Às
13 em ponto saí do edifício envidraçado e entrei no meu carro.
Recostei-me no banco, sentia uma pressão enorme sobre o peito, como
se algo se fosse estragar ou avariar dentro de mim. Respirei fundo e
arranquei.
Não
havia qualquer motivo lógico para me sentir assim, era apenas um par
de óculos, mas uma vozinha no meu interior dizia-me “Não, não
era. Era a tua sorte condensada num único objecto.” enquanto outra
vozinha me chamava ridícula. Enquanto as duas discutiam acaloradas
dentro da minha cabeça, eu seguia a grande velocidade pelas ruas,
sem ver realmente as coisas que passavam por mim.
A
certa altura, não reparei num semáforo que acabara de mudar de cor
e ao passá-lo, alguém se atravessou na frente do meu carro. Não
travei a tempo...
O
pânico fez com que o meu corpo estremecesse em violentos espasmos,
enquanto os meus olhos estavam turvos pelas lágrimas. Após um
minuto de silêncio, a rua encheu-se de gritos e eu saí do carro e
corri para o corpo imóvel no chão. Ao chegar perto dele, percebi
que conhecia aquele rosto ensanguentado.
CONTINUA ...
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