Desde
muito cedo que me acostumei a ser duas. Na escola, em casa, nunca fui
apenas eu, éramos sempre nós. Para o bem e para o mal. Fazia parte
da vida. A Patrícia é tecnicamente mais velha do que eu, apesar de
termos nascido com menos de uma hora de distância. Mas talvez isso
tenha influência, talvez seja esse o motivo pelo qual ela é sempre
melhor, mais segura, mais capaz... Eu sou irremediavelmente melhor
aluna do que ela e no entanto, ela é tão melhor do que eu em tudo o
resto, em tudo o que conta realmente...
No
liceu, eu não existo, ou talvez exista, sendo apenas a sua sombra,
que a acompanha a uma distância razoável e para a qual nunca falam.
Tenho poucos amigos e os que tenho, foram feitos graças a ela. Tudo
na minha vida acontecia apenas devido às capacidades dela, ou pelo
menos, era assim que eu pensava... até ao início deste ano.
Em
Setembro, a escola começou sem grandes novidades, mais aulas, mais
livros a cheirar a novos e lápis por afiar, um novo cacifo para
enfeitar, o mesmo de sempre. Apenas na segunda semana surgiu,
finalmente, algo de novo. Pedro.
Pedro
era um aluno tímido e que evitava o contacto visual. No entanto,
toda a sua postura indicava tudo menos insegurança. Era diferente de
todos os rapazes do liceu e eu comecei a ficar mais e mais intrigada
com ele. Era belo e forte e ficava maravilhoso com qualquer coisa que
vestisse, apesar de, notoriamente, não seguir a última moda. Tinha
as melhores notas na sala de aula, mas também, ultrapassava os 18
valores na educação física, o que o libertava do estigma da
debilidade. Falava bem com todos, mas não era realmente amigo de
ninguém. Era excelente em qualquer desporto, mas não fazia parte de
nenhuma equipa da escola. Em poucas palavras, mistério e
inteligência, num pacote sem defeitos. Fascinou-me.
Durante
todo o ano lectivo, limitei-me a observá-lo de longe, sem ser capaz
de lhe dirigir a palavra. A minha irmã, pelo contrário, falava com
ele sempre que tinha a mais pequena oportunidade. É certo que nem
sempre obtia uma resposta satisfatória, mas o ano decorreu assim,
até cerca de 15 dias antes do baile de finalistas.
Os
posters brilhantes invadiam todo o liceu. O tema, a
indumentária, tudo era descrito em letras garrafais nas folhas
gigantes que forravam as paredes dos edifícios. Patrícia lia todas
as informações com atenção, já tinha pelo menos 3 pares
possíveis. Era só escolher. Eu, pelo contrário, sempre que passava pelos rectângulos
coloridos e exuberantes virava o rosto. Não me importavam.
Aquela
quarta-feira era como todas as outras quartas-feiras, de todas as
semanas, de todos os meses... Ao final do dia, dirigi-me ao meu
cacifo e comecei a recolher os livros necessários para os muitos
trabalhos de casa pedidos pelos professores. Enquanto escolhia os
livros, amaldiçoava a minha vida baixinho.
-
Olá. - disse uma voz grave e séria.
Voltei-me
sobressaltada e ali estava ele.
-
Pedro...
Senti
que ia começar a gaguejar loucamente, pelo que preferi remeter-me à
segurança do silêncio.
-
Está quase, não é? - disse olhando em volta, para as paredes
coloridas com os anúncios do baile. Senti-me completamente idiota,
mas não fui capaz de lhe responder e dei um sorriso tímido. Mas
para minha grande supresa...
-
Estava a observar-te e pensei cá para mim, será que ela já tem par
para o baile?
-
Não... - respondi, apesar de não me ter sido feita nenhuma pergunta
directa. Ele olhou-me com uma intensidade estranha, como se
pretendesse aceder aos meus pensamentos através do meus olhos.
-
Tens alguma coisa contra o Baile de Finalistas, ou... apenas não
pensaste muito nisso.
Simpático
e discreto. Senti o meu coração perder uma batida.
-
Não sei... não...
Felizmente,
ele interrompeu a minha patética tentativa de dizer alguma coisa.
-
Estava a pensar se gostarias de vir comigo.
Ele
estava a corar?
-
Sim. - respondi de imediato, arrependendo-me em seguida pela rapidez
com que o tinha feito.
Ele
sorriu e trocamos os números de telefone. Quando o vi desaparecer na
esquina ao fundo do corredor, comecei a saltar como uma criança. Ele
tinha me convidado para o baile. A mim! O Pedro, o
rapaz mais lindo e mais inacessível da escola. Como era possível?
Louca de alegria, corri o mais depressa que pude, em direcção a minha casa. Tinha de contar a
novidade à Patrícia.
A
porta da rua estremeceu com a força com que foi atirada e eu corri
para o quarto ao fundo do corredor.
-
Patrícia!
-
Estás maluca ou quê? - respondeu-me, sobressaltada, retirando os
phones dos ouvidos.
-
Recebi um convite para o Baile de Finalistas! Já tenho companhia.
-
Ah. - respondeu, voltando-se novamente para o computador à sua
frente com total desinteresse.
-
Adivinha quem é.
Patrícia
voltou a olhar para mim.
-
Eu sei lá. Quem é?
-
O Pedro.
A
expressão do seu rosto alterou-se significativamente, começou por
ficar muito pálida e em seguida muito vermelha.
-
O quê?!
CONTINUA...
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