Ao
fim de muito tempo a dar socos e pontapés na porta, enquanto gritava
até me doer a garganta, desisti. Com a música e o barulho do
baile, ninguém ia ouvir. Sentei-me no chão gelado durante algum
tempo. O idiota do Ivo ia acabar por me vir procurar, não? Não, conclui
rapidamente. A Patrícia devia ter lhe dado alguma desculpa. Foi
então que, sem saber porquê, reparei na pequena janela na parte de
cima da parede...
Respirei
fundo e com a ajuda dos lavatórios e alguma coragem, consegui alcançá-la. Com o
coração a bater na garganta, atirei os sapatos de salto alto para o
lado de fora e saltei em seguida, sentindo rapidamente a relva húmida
do orvalho nocturno sob os meus pés. Felizmente, não me magoara,
pelo que pude calçar os sapatos e correr o mais depressa possível
na direcção do salão de baile.
Ivo
estava próximo da entrada quando cheguei e estavam prestes a
anunciar os reis do baile. Tinha ficado fechada mais tempo do que
pensara e tinha de agir rapidamente.
-
Patrícia! Pensei que tinhas ido para casa.
-
Sim, sim. - respondi, desviando-o do meu caminho, enquanto tentava
aproximar-me de Patrícia. Ela sorria, confiante, mas posso garantir
que o seu coração parou quando me viu. Pedro olhou para mim,
parecia espantado. Eu nem podia imaginar o meu estado depois das
proezas que andara a realizar na casa de banho.
-
Pedro. - disse-lhe e a voz tremia. - Há algo que precisas saber.
Ele
olhava-me de forma tão inocente, que senti os olhos encherem-se de
lágrimas.
-
Ela é que é a Patrícia.
-
Cala-te. - ordenou-me a minha irmã.
-
Nós mentimos e trocámos de identidade, para que fosse ela a sair
contigo em vez de mim.
-
O quê? - Pedro parecia não ser capaz de compreender as minhas
palavras.
-
Desculpa. Eu achei...
-
Achaste que eu era um palhaço!
Patrícia
agarrou o seu braço, mas ele puxou-o com violência. Nesse exacto
momento, a professora de Matemática anunciou ao microfone que eles
eram os reis do baile.
Ficámos
os três absolutamente imóveis, a olhar uns para os outros. A
expressão suplicante de Patrícia, ou talvez a surpresa por tudo o
que estava a acontecer, fez com que Pedro se arrastasse maquinalmente para o palco.
Receberam
as honras dignas da sua vitória, sem proferir uma palavra. Patrícia
sorria abertamente a todos, mas Pedro não fazia o menor esforço
para disfarçar o seu mau humor. Do cimo do palco, fitava-me
insistentemente. As pessoas sorriam e tiravam fotografias e eu dei-me
conta que era eu quem devia ali estar. Naquele momento, percebi tudo
o que tinha perdido até agora por ser tão covarde...
Então,
num rasgo de loucura, subi ao palco e agarrei no microfone.
-
O que é que estás a fazer? - rosnou Patrícia, tão baixo como
conseguiu.
Ignorei-a.
-
Boa noite a todos. Desculpem apoderar-me do microfone desta forma,
mas tenho uma mensagem muito importante para todos os adolescentes
que se encontram aqui esta noite e para todos os outros, que se
escondem em si mesmos, como eu fiz durante muito tempo.
Dezenas
de par de olhos estavam fixos em mim, rostos espantados e confusos,
que precisavam rapidamente de uma explicação para aquela atitude.
Não podia decepcioná-los, não havia como voltar atrás.
-
Estou aqui neste momento, diante de todos vós, para assumir a minha
covardia. Durante anos, eu permiti que a minha irmã me substituísse
em tudo o que tinha algum valor, em tudo o que exigia esforço ou risco da minha parte, pois achava que não era capaz. Reparem que
eu não estou aqui a dizer que a culpa é dela, muito pelo contrário,
este tipo de coisas só acontece, quando nós permitimos.
E eu permiti.
Parei
um segundo para respirar, sentia as mãos a tremer e o coração a
bater violentamente. Engoli em seco para tentar desfazer o nó que me
tapava a garganta e olhei em frente, sem fixar nenhum rosto em
particular. Não era preciso. Eram todos iguais, atentos e
silenciosos.
-
Esta noite, - continuei. - cometi o maior dos meus erros. Desde o
início do ano, que sinto... que estou...
Uma pequena voz no fundo da minha mente queixou-se do
ridículo. Fechei os olhos e sacudi a cabeça, afastando-a com o meu gesto. Não era o momento para fraquejar, tinha de ter
coragem.
-
Desde o ínicio do ano lectivo que estou apaixonada pelo Pedro. -
Não fui capaz de o olhar. - Porém, tive de esperar até ao Baile de Finalistas para finalmente ter a oportunidade de estar com ele. Mal
podia acreditar no que ouvia, no dia em que ele, calmamente, me
convidou para ser o seu par. No entanto, o medo e a falta de
confiança, fez com que eu concordasse em que viesse a Patrícia no
meu lugar.
Neste
momento, tomei coragem e virei-me na direcção deles. Pedro já não
estava no palco e Patrícia olhava-me de forma furiosa.
-
Podem achar estranho eu vir aqui contar esta história, mas hoje,
tive finalmente coragem para contar a verdade e talvez o Pedro nos
odeie a ambas para sempre. Mas este passo, era muito importante para
mim.
Silêncio.
Baixei os olhos, enquanto tentava recuperar o ritmo cardíaco. Voltei a fixar a minha plateia. Era suposto continuar? O que estava eu ali a fazer?
O que me tinha passado pela cabeça? De um momento para o outro, o
ginásio encheu-se de palmas e parabenizações. Inspirei profundamente e o meu rosto abriu-se num sorriso de satisfação. Tinha cumprido o meu papel.
Depois
de me livrar dos rostos que me cumprimentavam e que me diziam o
quanto me compreendiam e o quanto me admiravam pela coragem que tivera, saí
da escola e atravessei a estrada. A adrenalina tinha passado e sentia-me agora, um ser frágil e desajeitado. Fechei os olhos de modo a prender as
lágrimas que queriam escapulir-se e respirei fundo, preparando-me
mentalmente para o ataque de fúria que a minha irmã iria,
certamente, despejar sobre mim.
Nesse momento, alguém
se aproximou de mim devagar, mas ao contrário do que eu esperava,
ficou em silêncio. Respirei fundo e abri os olhos, pronta para lhe
explicar as razões do meu comportamento todas de uma vez, antes que
ela pudesse sequer falar.
-
Pedro? - A surpresa fez com que a minha voz saísse um tanto
esganiçada. - Desculpa por tudo, eu fui tão idiota. Eu...
Pedro
não me deixou dizer nem mais uma palavra e assim que os seus lábios
tocaram os meus, esqueci-me imediatamente da fúria de Patrícia, dos
olhos que nos fixavam, do mundo inteiro. Poderia haver um melhor
final, para o meu Baile de Finalistas?
FIM
(Imagem retirada de: http://www.outletlingerie.com.br/blog/2012/04/13/dia-do-beijo/)
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