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Conto - Útima parte

E aqui está a última parte do conto. Espero que tenham gostado.


 Respirei fundo e dirigi-me à mesma. O estrago era grande e era impossível voltar a fechá-la. Eu sabia que de uma forma ou de outra, ele iria voltar, mas não me sentia minimamente confortável em ficar ali, naquela casa vazia, no ermo do campo, com a porta irremediavelmente aberta.
Não havia muito que eu pudesse fazer, pelo que me limitei a ir buscar um dos velhos sofás e colocá-lo atrás da porta. Em seguida, sentei-me no banco da cozinha. Não havia grandes hipóteses, eu tinha a certeza absoluta que o anel encontrava-se ao meu pescoço quando entrara na casa. Então, tinha de ali estar.
Voltei ao lugar da queda e espreitei para baixo. Era impossível vê-lo dali, mas era o sítio mais provável para ele estar. Só não sabia como iria descer até ali, sem partir nenhum osso. Fui até à despensa da casa e peguei o mais alto dos escadotes que lá se encontravam, em seguida, deitei-me no chão, junto ao buraco e tentei abri-lo abaixo de mim. Não foi fácil, mas consegui colocá-lo de pé. Estava a uma distância de cerca de um metro do chão abatido, talvez conseguisse ir até lá. Apanhei a grande chave antiga no chaveiro e com todo o cuidado, voltei a descer à divisão secreta.
Desta vez, não me esquecera da lanterna, que me ajudava a ter uma melhor imagem daquilo que se encontrava à minha volta. Fitei cada um dos estranhos objectos novamente, a mesa era a mais espetacular. Encontrei ainda um velho piano, cujo som arrepiava de tão desafinado que estava. Então, dirigi-me à velha arca.
Quando a abri, deparei-me com muitos papéis soltos, cadernos e livros de aspecto tão antigo que quase tive medo de lhes tocar. Pareciam desfazer-se ao mais leve toque. Foi então que reparei, atrás da arca encontrava-se uma escada de madeira, que parecia não dar a lado nenhum. Apontei a lanterna e subi-a. Nada. No final, apenas uma rija parede de cimento.
Voltei a descer, era ridículo. Talvez aquela sala tivesse sim uma saída, mas alguém a tinha fechado. Porquê?
Sem querer acreditar no que tinha diante dos olhos, um reflexo brilhante no chão chamou a minha atenção. Ao aproximar-me, verifiquei que era o meu anel, brilhava como se tivesse algum tipo de luz interior, parecia magia. Apanhei-o do chão e coloquei-o no dedo, sentindo um calor intenso, que me sobressaltou. Fitei o meu dedo, o anel parecia o mesmo, mas ao mesmo tempo, algo nele estava diferente.
Voltei a subir o escadote e sentei-me no sofá na sala. Recostei-me confortavelmente nele e acabei por adormecer.
Acordei algumas horas depois, sobressaltada com as fortes pancadas na porta da rua. Assustada, encolhi-me no sofá.
- Quem é?
Pergunta idiota, eu sabia muito bem que era ele novamente, à procura do anel. Levantei-me sentindo o meu corpo a tremer e dirigi-me à porta, de onde desviei o sofá que lá havia colocado pela manhã. A porta abriu-se lentamente, como num filme de terror. Do lado de fora, o homem vestido de negro e com olhar duro e frio estava parado.
- Encontraste-o.
Não era uma questão, o grande anel estava ostensivamente no meu dedo e segundo ele, podia sentir a sua energia.
- Encontrei. Agora diga-me, qual a importância dele.
O homem voltou a sair em silêncio e eu segui-o, sem saber muito bem para onde iríamos. Caminhou sem dizer uma palavra, rodeando a casa. Quando nos encontrávamos nas traseiras apontou para a parede. Olhei-o desconfiada e aproximei-me. Passara ali o Verão durante vários anos e nunca tinha reparado naquele pequeno defeito na parede.
Endireitei-me e olhei na sua direcção. Ainda sem emitir um som, tirou o anel da minha mão e colocou-o na parede. Cabia na perfeição. Então, diante dos meus olhos, uma porta surgiu no meio da parede caiada. Não queria acreditar e toquei levemente no objecto que se formava magicamente. Era uma porta de verdade...
O homem sorriu pela primeira vez desde que o vira e rodou a maçaneta, para logo em seguida, fazer-me sinal para que entrasse à sua frente. Em passos inseguros entrei pela porta aberta e diante de mim tinha a estranha e misteriosa cave onde havia caído no dia anterior. Olhei para ele, as escadas que pareciam não dar a lado nenhum, eram afinal a saída pela porta mágica.
- Não achavas que toda a gente caía do tecto , pois não? - Senti o meu sobrolho franzir-se.
- É isso então? O anel é a chave?
Ele acenou levemente com a cabeça. Voltei a caminhar por ali, como se fosse a primeira vez, passei a mão levemente sobre cada uma daquelas coisas.
- Afinal o que é tudo isto?
- Aqui, está enterrado o segredo da felicidade e da vida.
- O segredo da vida? Espere aí, esta casa pertencia a uns amigos da minha mãe que...
- Tu nunca viste.
Fiquei sem resposta. Mordi o lábio inferior, sem saber como ripostar.
- Era você... - dei por mim a afirmar, num tom ligeiramente interrogativo.
O seu olhar frio e fixo em mim foi resposta suficiente.
- Mas então, porque vínhamos aqui? A minha mãe sabia da existência deste local?
- A tua mãe vinha até aqui para usar esta mesma mesa de encantamento, estes livros velhos, cheios de feitiços poderosos.
Sustive o riso. Depois da brincadeira da porta, eu sabia que a magia era real, mas imaginar a minha mãe a mexer em tal coisa. Ele não pareceu notar o turbilhão de pensamentos que invadiu.
- Dei-lhe a chave para ter aquilo que desejava, mas ela desejou demais.
- O poder...
- O poder vem do anel e aqui – fez um gesto amplo com a mão indicando toda a sala - aprendes a usá-lo.
- E a minha mãe aprendeu... como?
Ele ficou imóvel e em silêncio, a olhar-me directamente.
- Se ela tinha tanto poder, porque morreu de forma tão estúpida?
- Porque tudo na vida não passa de um teste. A magia pode melhorar a tua vida, ou torná-la numa maldição. É o teu coração que escolhe.
- O coração da minha mãe era puro.
- Não, os humanos não têm coração puro. Ela não tinha, tu não tens... E o poder traz à superfície o que de pior há em nós.
- O que foi que ela fez de errado?
O seu rosto tornou-se subitamente muito velho e cansado. O tom de pele amarelado e as enormes olheiras debaixo dos olhos, quase me fizeram sentir piedade daquele estranho homem à minha frente.
- Ela quis demasiado, exigiu demasiado, fez demasiado. Não soube usufruir da dádiva que lhe foi dada e transformou-a numa maldição.
Olhei em volta, aquela história era estranha, mas ao mesmo tempo, imaginar ter assim tanto poder...
O homem aproximou-se e pegou na minha mão. As suas estavam geladas e fizeram-me estremecer.
- Ela não soube canalizar o bem.
A esta altura, sentia-me incapaz de desviar os meus olhos dos dele.
- E tu, saberás?

Fitei o anel novamente e um sopro agitou os meus cabelos, dando-me um arrepio. Quando ergui os olhos, o homem tinha desaparecido. O brilhante anel queimava na palma da minha mão. Saberia?

FIM

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