Criei um conto, ainda sem título, que publico agora em três posts devido à sua dimensão. Espero que gostem e quem sabe, me ajudem a criar um título para ele.
Esta
história começa no Verão de 1994, quando o mundo se mostrava
brilhante e colorido e todos tentavam desesperadamente ser felizes.
Eu tinha sete anos e nós viajámos rumo à casa de campo de uns
grandes amigos do meu pai.
O
ar estava pesado e o nevoeiro tornava-se cada vez mais denso à
medida que nos embrenhávamos por entre as árvores grossas. Eram
exactamente 3 horas da tarde, disseram-me muitos anos depois, quando
o pneu da viatura rebentou. Eu não me lembro de nada, só do calor e
da humidade pegajosa na pele e do grito. Um grito que ecoou durante
vários minutos por entre a vegetação, até que tudo ficou negro e
silencioso. Cresci sem saber ao certo o que tinha acontecido e a
única recordação que tinha da minha mãe era um anel de ouro
finíssimo, com uma pedra azul turquesa que trazia sempre ao pescoço.
Nunca
mais lá voltei, sequer passara perto da mata escura, mas todos os
dias, quando fechava os olhos, voltava a ouvir aquele grito agudo, a
escuridão voltava a tomar o seu lugar na minha mente e no meu corpo.
Até que chegou o dia em que não aguentava mais e tomei a minha
decisão, tinha de lá voltar.
Acordei
ainda o sol não tinha nascido e fiz a minha mala, tendo em conta
todos os cenários, desde lanternas e material de escalada, até ao
indispensável kit de primeiros socorros. Sentia-me quase
ridícula com toda aquela preparação, mas mantinha-me ocupada, até
abrir a oficina do Sr. Martins.
Às
9 horas, peguei na mochila bem recheada e dirigi-me finalmente até
lá. Foi um empregado mal humorado que me atendeu.
-
O Sr. Martins ainda não chegou.
A
minha frustração foi maior do que seria necessário, mas controlei
a minha expressão facial e disse-lhe simplesmente:
-
Eu espero.
Sentei-me
em cima de uns velhos pneus, que alguém achava que davam uma boa
decoração e esperei durante 3 longos quartos de hora, até que
finalmente, o Sr. Martins estacionou o seu Fiat Punto vermelho sangue
na frente da entrada.
-
Vera! Aqui tão cedo?
-
Preciso de um carro.
Ele
passou por mim, entrando na oficina, como se eu não tivesse dito
nada.
-
Pensei que tinhas dito que nunca irias conduzir. - disse, quando
finamente se voltou na minha direcção. O seu olhar tentava ler no
meu rosto, as minhas possíveis intenções.
-
Mudei de ideias. Pode ou não arranjar-me um carro?
Ele
fitou-me por cima dos óculos incrivelmente sujos.
-
Bem, que tipo de carro é que queres?
Senti-me
corar, eu não entendia nada de carros...
-
Qualquer um.
Ele
perscrutou-me com um olhar desconfiado e em seguida, fez-me sinal
para que o seguisse. Na parte de trás da oficina, estava o que eu
supunha ser um enorme ferro-velho. Caminhámos por entre os carros
adormecidos, até que ele parou diante de um pequeno carro branco,
com a porta amolgada.
-
Bem, este é fácil para ti. E funciona na perfeição, apesar da
porta.
Fitei-o,
era muito pouco apelativo, mas eu precisava apenas de uma caixa com
rodas e não do último modelo topo de gama.
-
Não vai parar no meio do caminho?
-
Tenho a certeza que não.
Voltei
a olhar o pedaço de metal mal tratado.
-
Então, eu fico com ele.
O
Sr. Martins voltou a olhar-me com desconfiança.
-
Tens a certeza?
-
Tenho. - respondi, esticando-lhe as minhas economias. - Isto chega?
Ele
avaliou o maço de notas e em seguida assentiu com a cabeça.
Entregou-me a chave e eu esgueirei-me rapidamente para dentro do
veículo. Durante uns segundos, ainda me observou, mas em seguida,
encolheu os ombros e voltou a entrar na oficina.
Por
dentro, o carro cheirava a mofo, os estofos tinham buracos de vários
tamanhos e o rádio não funcionava. As janelas eram ainda de
abertura manual. De facto, seria uma viagem no tempo. Respirei fundo
e rodei a chave na ignição. Ligou na primeira tentativa.
-
Pelo menos isso. - desabafei. Pus a marcha atrás e retirei o carro
para a rua principal.
Conduzi
durante horas, até finalmente começar a entrar no canavial que
daria acesso à densa mata. Quando finalmente me vi por
entre as árvores, respirei fundo e abrandei. O nervosismo que
experimentara durante toda a viagem, estava agora prestes a tornar-se
num verdadeiro ataque de pânico e eu não podia permitir que isso
acontecesse.
O
carro seguia lentamente por entre as sombras da floresta e os meus
olhos perscrutavam cada movimento, cada restulhar de folhas no chão,
cada pequeno animal que se movimentava por entre os arbustos. Ao fim
de algumas horas, vi finalmente a casa em frente a mim.
Travei
repentinamente e olhei-a com atenção. O aspecto exterior permanecia
intacto, salvo algumas manchas escurecidas nas paredes anteriormente
brancas. Voltei a pôr o carro em movimento, até parar no pátio da
casa.
Com
o corpo a tremer, abandonei a viatura, deixando o motor ligado, o seu
suave ronronar dava-me uma sensação agradável de presença.
Aproximei-me da porta da entrada, teias de aranha cobriam a maçaneta
e a fechadura. Eles não tinham lá voltado após o acidente. Não
tinha vontade de pôr as mãos no meio das teias gigantescas, só de
imaginar que os seus habitantes podiam ter a mesma proporção, pelo
que voltei ao carro e peguei um pano velho. Enrolei-o na minha mão e
tentei limpar os desagradáveis fios.
Quando
dei por terminada a tarefa, libertei o pano da mão e com o pé
empurrei-o para fora do pátio.
“Odeio
aranhas.”, pensei, enquanto rodava a chave na fechadura. Não foi
difícil abrir a porta. A casa tinha o característico cheiro de mofo
de um espaço fechado e a escuridão dentro dela era completa. Liguei
a lanterna do telemóvel, para tentar procurar o interruptor, no
entanto, ao carregar nele, percebi que a luz não funcionava.
-
Boa...
Voltei
ao carro e peguei na minha lanterna de verdade, tinha de descobrir
onde ficava a caixa dos fusíveis e tentar resolver o problema, antes
de anoitecer. Dei uma olhadela à chave na ignição, devia desligar
o carro, mas...
-
Não sejas ridícula! - ordenei a mim mesma, retirando a chave e
guardando-a no bolso do casaco.
Entrei
novamente na grande sala de estar e procurei algo na parede que se
parecesse, ainda que remotamente, com uma caixa de fusíveis. Nada.
Vim ao exterior da casa. Nada. Suspirei, frustrada. E agora? Não ia
ali ficar à luz das velas... Lembrei-me então, subitamente, que mal
entrávamos em casa, o meu pai dirigia-se imediatamente ao balcão da
cozinha. Fui até lá.
Aquele
balcão era a única coisa que dividia a minúscula cozinha da sala
de estar à sua direita e sala de das refeições à esquerda. Mal
dei a volta, vi imediatamente as caixas da electricidade, água e
gás, com a porta entreaberta.
Ao
premir o botão, a luz acendeu-se como por magia por toda a casa.
Mais confortável, fui buscar a minha bagagem e desligar o motor do
carro, para em seguida voltar a entrar, fechando a porta atrás de
mim.
Olhei
em volta, estava tudo na mesma e dirigi-me ao quarto onde costumava
ficar. Despejei a mala em cima da cama e comecei a arrumar a pouca
roupa que trazia nas gavetas. Não sabia se ficaria muito tempo, mas
aquele simples gesto, dava-me uma certa segurança, como se tudo
estivesse dentro do normal. Depois de tudo arrumado, sentei-me sobre
a antiga colcha de renda que cobria a cama. Sorri. Era estranho estar
ali, mas... não era mau de todo.
Durante
o resto do dia, distrai-me a tornar a casa habitável. Limpei,
arrumei, vi cada cantinho, onde tinha brincado, dormido, vivido ao
longo dos vários Verões que ali tinha passado. A meio da tarde fui
até à vila comprar algumas mercearias, para que pudesse comer e
quando voltei, dediquei-me a preparar um belo jantar.
Era
raro cozinhar, é um dos defeitos que quem vive só, não tem vontade
de fazer comer só para si, mas naquele dia, sentia-me estranhamente
inspirada, talvez fosse a casa da minha infância, ou a presença dos
meus pais que eu sentia por toda a parte. Quando o jantar finalmente
ficou pronto, liguei a TV e sentei-me comodamente no sofá da sala, a
comer. A televisão era antiga e havia uma série de interferências,
pelo que acabei por desistir e desligá-la. No dia seguinte, talvez
subisse ao telhado para ver o que se passava com a antena, mas àquela
hora não.
Enquanto
terminava a minha refeição ia lendo os títulos impressos na
lombada dos livros da estante ao meu lado. A maior parte deles eram
edições antigas e as letras douradas cravadas estavam um tanto
desbotadas. Imaginei que quando tentasse folheá-los, acabassem por
se desfazer nas minhas mãos, mas tinha de encontrar alguma coisa
para fazer até à hora de dormir.
Estava
a acabar de arrumar a cozinha, quando ouvi aquele ruído. Estaquei,
estava no meio do nada, não podiam ser pessoas por perto, animais
talvez... tinha a casa bem fechada, não tinha? Dei uma vista de
olhos à porta, pelo sim pelo não, tranquei-a com duas voltas na
chave e fechei todas as persianas de todas as janelas e sentei-me
novamente no sofá florido. Só nesse momento, pude identificar o
barulho que escutara, era o uivo do vento. Sorri perante a minha
atitude ridícula. Peguei finalmente um livro e comecei a lê-lo, mas
o barulho não abrandava.
“Será
que está assim tanto vento?”
Estava
tudo fechado e ele uivava como se tivesse a atravessar alguma
fresta... Decidi investigar as janelas à procura de algum vidro
partido. Não foi preciso, ao passar diante de uma porta, verifiquei
imediatamente que o rosnar do vento vinha lá de dentro. Aquela
divisão nunca era usada, nunca se abrira aquela porta, ao longo de
todos aqueles anos que lá passáramos.
Lembrava-me
do meu pai me ter dito uma vez que era uma espécie de despensa, sem
nada de interessante, cheia de pó e teias de aranha. Perdera
imediatamente a vontade de explorá-la, mas agora, tinha de lá
entrar e tapar aquela maldita janela, ou não seria capaz de dormir a
noite inteira.
Quando
rodei a maçaneta, a porta estava trancada. Que estranho... fui então
ao chaveiro principal onde várias pequenas chaves estavam penduras.
Entre ela, uma destacava-se. Era uma chave antiga, enorme, de um
material que talvez fosse bronze. Fitei-a, parecia de um portão, ou
algo do género... Apesar da curiosidade, o uivo do vento estava cada
vez pior, pelo que a deixei ali e peguei a que tinha escrito no
porta-chaves “Arrecadação” e dirigi-me à porta fechada.
A
chave abriu facilmente a fechadura enferrujada e empurrei a porta.
Diante de mim, um quarto escuro e desorganizado, onde tudo parecia
sujo e desarrumado, era sem dúvida uma arrecadação. A meio da
parede oposta à porta, uma ampla janela fazia os cortinados
esvoaçarem. Aproximei-me para fechá-la. Ao desviar os cortinados
ondulantes, verifiquei que a mesma estava hermeticamente fechada. Não
queria acreditar no que via. Engoli em seco e tentei verificar se
existia alguma fenda ou abertura que permitisse ao vento passar, mas
não encontrei nada.
Estava
já a desesperar com o estranho fenómeno quando uma sombra me fez
levantar o olhar. Soltei um grito de horror.
Do
lado de fora da casa, um estranho, vestido de negro e de capuz na
cabeça encarava-me. Nada conseguia ver no seu rosto, a não ser os
seus olhos negros, fixos em mim. O meu coração disparou e senti as
pernas fraquejarem. Dei um passo atrás, dizendo a mim mesma que a
casa estava fechada. Onde teria deixado o telemóvel? Deveria ligar
para o 112...
Sob
os meus pés, o chão rugiu e em menos de um segundo, senti o ar a
movimentar-se e uma dor insuportável. Ficou tudo negro.
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