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Um Susto de Morte (continuação)

 Aleguei uma indisposição de última hora, para sair imediatamente daquele inferno. Quando cheguei a casa, sentei-me no enorme sofá castanho, pensando numa forma de me vingar. Ela não voltaria a humilhar ninguém.
Atacá-la directamente não me faria grande bem, perderia o emprego, quem sabe até a liberdade, sabe-se lá que tipo de processo judicial aquela louca conseguiria construir contra mim. Senti um arrepio. Não. Não podia acabar com a minha vida por causa dela. Tinha de pensar bem.
Um trovão do lado de fora da janela fez a persiana bater com tanta força que saltei no sofá onde estava sentada. Com o coração a bater desenfreadamente, dirigi-me à janela e olhei lá para fora. Um clarão invadiu os céus, iluminando o negro da noite. Ri-me de mim mesma, era só a trovoada...
Foi então que uma ideia me passou pela cabeça, já sabia como obter a minha vingança: ia provocar-lhe um susto de morte!
No dia seguinte, procurei na internet dezenas de histórias sobre partidas e brincadeiras. Algumas eram bem interessantes, mas eu queria que tudo fosse bem real, bem assustador... Ela nunca mais iria humilhar quem quer que fosse, sem se lembrar do que eu lhe tinha feito. Depois de muito pesquisar, tomei a minha decisão.
Já estava a anoitecer, quando preparei a minha mochila com tudo o que era preciso para a minha missão diabólica. Tinha conseguido, com a secretária de Ricardo, a morada dela e dirigi-me calmamente a sua casa.
Era uma vivenda lindíssima, junto ao mar. Tinha dois andares, no de cima, duas janelas amplas fitavam-me como dois enormes olhos curiosos. O jardim era grandioso e repleto de flores de várias cores. Sorri. Já tinha onde montar a minha tenda de operações. Inspeccionei cuidadosamente o espaço à volta, à procura de um cão de guarda ou câmera de segurança. Nada. Aquele era, sem dúvida, o meu dia de sorte.
Já passava da meia-noite quando pus o meu plano em prática. Peguei em vários carrinhos de fio de nylon e comecei a circular a casa, passando-os em frente a todas as portas e janelas. Atava cuidadosamente as pontas de cada um para que se tornassem numa teia inultrapassável. Ficariam praticamente invisíveis, quando conseguisse apagar a luz do candeeiro da entrada. Em seguida, subi por uma árvore e cheguei até ao topo da casa. No sótão, ficava à sua espera uma bela supresa, não havia por onde fugir.
Voltei a descer cuidadosamente por entre os ramos da frondosa árvore junto à casa, uma queda naquele momento, poderia ser o fim de toda a diversão.
Quando me vi segura, no chão, procurei o quadro dos fusíveis. Primeiro passo: desligar a luz. Ri-me internamente, enquanto observava o seu vulto escuro dentro da sala a tropeçar, enquanto se movia de um lado para o outro à procura de uma vela ou de uma lanterna. Observei cada passo seu dentro da ampla divisão. Teve dificuldade em encontrá-la, mas não desistiu. Quando finalmente alcançou uma pequena lanterna acendeu-a e pude ver que se tinha ferido ao tropeçar em qualquer coisa. Melhor ainda.
Em seguida, dirigiu-se ao telefone e eu aproximei-me da janela, tentando perceber o que se passava. Percebi pelas poucas palavras que me chegaram através das janelas fechadas, que estava a reclamar com a companhia da luz. Matutei. Uma chamada para a polícia ou para o número de emergência poderia pôr tudo a perder. Decidi então ir à procura dos fios do telefone, e tal como fizera com a luz, cortei-os.
Sentia uma imensa excitação, o afluxo de adrenalina fazia com que tivesse vontade de rir sem parar, era muito melhor do que ver um filme. Senti o poder a correr dentro das minhas veias.
Irritada pela falha do telefone, Vitória dirigiu-se ao exterior e tal como eu previra, não viu os finíssimos fios transparentes, espalhados em redor da casa. Ao embater neles, soltou um grito horripilante e voltou rapidamente para dentro, batendo a porta com força. Sorri. Ela estava completamente aterrorizada.
Dentro de casa, a minha velha inimiga movimentava-se freneticamente. Caminhava de um lado para o outro, sem um objectivo específico. O medo parecia acabar com toda aquela racionalidade que lhe era característica. Ajustei o capuz negro sobre a minha cabeça e espreitei pela janela, tentando perceber o seu próximo passo. Por uma duvidosa ironia do destino, o seu passo estava realmente perto e a sombra negra que eu representava do outro lado do vidro, fê-la recuar vários passos e gritar desesperadamente.
Afastei-me novamente do vidro, agora embaciado pela minha respiração. Com a escuridão, ela não me tinha reconhecido, mas deveria ser mais cuidadosa, afinal de contas, a brincadeira ainda não tinha acabado.
Deliciada com o impacto que estava a ter nela, fui até à porta principal e abanei-a, como se estivesse a forçar a entrada. Não fui capaz de evitar o riso, enquanto ouvia os seus passos pesados e apressados a fugir, coisas a cair ao chão e um choro insistente. Tal como imaginara, ela corria para o sótão. O que acharia ela da surpresa que lhe reservara lá em cima?
Mantive-me imóvel, encostada à porta de madeira escura envernizada, à espera... Não deviam ter passado mais do que dois minutos, quando Vitória começou a gritar desesperadamente. Dei uma gargalhada sonora. No sótão, um caixote de 50 por 50, cheio de baratas grandes e nojentas estava colocado estrategicamente atrás da porta. Assim que ela a abriu, com certeza, fez a tampa cair e os desagradáveis insectos esvoaçaram por todo o lado.
Ela voltou à sala a gritar e a sacudir-se, chorando desesperadamente. No meio da penumbra, pude vê-la sentar-se no chão, contra as costas do sofá escuro e colocar as mãos na cabeça. Demorou alguns momentos a recompor-se, para depois gritar, um grito horripilante e desesperado:
- Quem és tu? O que é que queres de mim?!
A sua voz estava estranha, rouca e incerta e a sua respiração demasiadamente ofegante. Senti um nó na garganta. Estava na hora de acabar com a brincadeira.
Entrei pela porta da frente que, tomada pelo pânico, ela se esquecera de trancar e dirigi-me ao local onde ainda se encontrava, sentada no chão. Um guincho animalesco soltou-se dos seus lábios, um grito de agonia que se meteu pelos meus ouvidos e em seguida caiu desamparada no chão. Não fui capaz de me mover durante algum tempo.
- Vitória... - acabei por dizer. - Está tudo bem, sou eu. Eu só queria...
Aproximei-me a medo. Ela tinha desmaiado? Se calhar, tinha ido longe de mais. Era só uma brincadeira, um susto para que soubesse que não deveria meter-se comigo novamente. Baixei-me ao pé do corpo imóvel da minha antiga colega e coloquei a mão sobre o seu pescoço. O coração não parecia estar a bater.
- Não é possível. Vitória!
Abanei o corpo suavemente e em seguida com mais fervor. Corri para a interruptor, sem me lembrar que tinha cortado a luz. Sem conseguir ver um palmo adiante, tentei alcançar o telefone, mas também este eu tinha cortado...
Comecei a sentir o meu corpo a tremer e o raciocínio lento. Numa última tentativa desesperada, tentei reanimá-la, como via fazer nos filmes. Mas ela não mais respirava... Sentei-me, a soluçar, enquanto abraçava o seu corpo, que arrefecia nas minhas mãos. Não fui capaz de soltá-la e ali me mantive durante muitas horas, tantas que lhes perdi a conta, até a polícia chegar.
A vida dela acabou. Mas a minha também.

Era só uma brincadeira...

FIM

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